quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Mundo digital não é aproveitado por metade das câmaras de vereadores do estado de SP

Levantamento feito pelo Estadão revela que 101 Casas têm sites com informações irrelevantes ou abandonados

A transparência digital não chegou ao Legislativo em metade das cidades paulistas. Para conferir, basta acessar a internet. Levantamento realizado pelo jornal O Estado de S.Paulo entre 28 de janeiro e 14 de fevereiro mostra que, das 645 Câmaras Municipais de São Paulo, apenas 50% têm endereço eletrônico para divulgar informações dos mandatos. E entre as conectadas à internet, um total de 101 têm sites que estão abandonados ou que não apresentam dados relevantes para o cidadão - ao custo de até R$ 700 mil.

Ao todo, em 404 municípios paulistas não se sabe o que será votado pelos vereadores, porque a ordem do dia não está disponível. Balancetes e relatórios fiscais, que deveriam esclarecer os gastos das Casas legislativas, não são publicados. E o pior: não é possível contatar os vereadores para reclamar, porque seus telefones e e-mails não são divulgados para o visitante.Em alguns casos, os sinais de abandono ultrapassam a simples falta de conteúdo. Na pequena Cajuru, no norte do Estado, os esforços por transparência na gestão da Câmara Municipal parecem ter congelado no tempo. "Em breve estará disponível o balanço geral de 2005, aguadem (sic)", avisa seu site.O endereço eletrônico da Câmara de Estiva Gerbi, também no norte paulista, sofre dos mesmos sintomas. O cabeçalho da página inicial tem reservado o que seria o espaço para a mensagem do presidente da Casa. No entanto, está ocupado por uma digitação incoerente - "Flksjaflkjasd fljsadfçlkasjdf" -, e ainda aguarda ser substituído.

O custo de cada um desses 101 sites, segundo empresas que prestam serviços de tecnologia da informação para Câmaras Municipais, chega a R$ 7 mil em modelos mais simples. E para manter as informações online, é preciso pagar ainda um servidor de dados, que custa até R$ 150 mensais. O cálculo total do desperdício de dinheiro público chega a pelo menos R$ 700 mil, aplicados a fundo perdido no mundo virtual, sem contar os R$ 150 mil anuais para manter os sites inoperantes online. Valores que, para a Câmara de Chavantes, na divisa com o Paraná, serviram apenas para divulgar antigos relatórios de gestão fiscal da Casa, e para inserir um gerador automático de notícias, que apresenta inadvertidamente manchetes do reality show Big Brother Brasil.

Além da falta de conteúdo, ou da presença de dados não condizentes com os trabalhos das Câmaras, há ainda outro tipo de desperdício no mundo virtual - os gastos com domínio do endereço eletrônico. Um total de 46 casas continuam utilizando o domínio pago .com.br, apesar de terem acesso gratuito ao domínio do governo do Estado .sp.gov.br, fornecido pela Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp). Entre elas estão cidades de médio porte, como Araçatuba, Botucatu, Ourinhos, São José do Rio Preto e São Sebastião. Cada uma despende R$ 30 anuais ao NIC.br, empresa responsável pela liberação e manutenção de seus endereços eletrônicos. O custo global da manutenção dos endereços é de R$ 1.380 por ano.De acordo com o diretor de serviços e tecnologia do NIC.br, Frederico Neves, não existe nenhuma classificação para uso de domínio. "É uma opção da instituição que solicita o registro."

No ES, 37 das 78 Casas Legislativas estão fora da rede
A situação das Câmaras Municipais paulistas na internet é pior que a condição encontrada no Espírito Santo pela ONG Transparência Capixaba, no início deste ano. De acordo com a entidade, das 78 Casas Legislativas do Estado, 37 não possuem nem sequer domínio na internet. Três estão com o site sem acesso e uma com a página na rede suspensa.

De acordo com os critérios utilizados pela Transparência Capixaba na avaliação, para um site ganhar a nota máxima era preciso que 30 tópicos de informação estivessem atualizados. Apenas uma Câmara no Estado, a de Vila Velha, conseguiu atingir a pontuação total no levantamento.

Só em 14 cidades dados são atualizados
Câmara de Mairiporã colocou um aviso aos visitantes em seu portal: "Retornaremos em abril". Somente 14 Câmaras Municipais paulistas têm em seus sites três categorias de informações atualizadas: ordem do dia, último relatório de gestão fiscal (3º quadrimestre de 2008) e contatos de telefone e e-mail dos vereadores. O número corresponde a apenas 2% dos Legislativos de São Paulo. No total, 25 endereços eletrônicos não puderam ser avaliados porque estão "em manutenção".Entre os sites com as três informações completas estão os das Câmaras de Americana, Conchas, Ferraz de Vasconcelos, Junqueirópolis, Ibaté, Santo André, São Caetano e São Paulo. O bom exemplo fica para a de Caçapava, a 100 quilômetros da capital, que criou um portal próprio para transparência.

Por região, os sites mais completos concentram-se na Grande São Paulo. Somente duas Câmaras - Itaquaquecetuba e Mairiporã - não fornecem informações pela internet. A Casa de Mairiporã colocou um aviso aos visitantes em seu portal: "Retornaremos em abril"."É uma tristeza", avalia Sonia Barboza, coordenadora do Movimento Voto Consciente em São Paulo. Segundo Sonia, sua ONG conseguiu "a muito custo" que a Câmara da capital abrisse seus gastos, e acredita, por experiência própria, que transparência só é possível com pressão popular."Isso só vai terminar no dia que todos começarem a exigir que esses dados sejam publicados. Enquanto não reclamarem, os vereadores jamais vão colocar. Eles não têm interesse", observou.

A publicação dos dados básicos das Câmaras na internet não é uma obrigação legal. Há apenas uma solicitação formal do Tribunal de Contas da União (TCU), apontada pela instrução normativa nº 28 de 1999. O órgão esperava, com a instrução às Câmaras, obter todos os relatórios de gestão fiscal das Casas e centralizar os dados em seu site, o www.contaspublicas.gov.br. Como o tribunal não pune quem desobedecer, as Câmaras que se cadastraram somam apenas 339 - menos de 1% do total de municípios brasileiros, 5.564. Segundo Maurício Vanderlei, secretário de macroavaliação governamental do TCU, a cobrança em âmbito municipal é difícil. "E a maior dificuldade é a lei, que não impõe nenhuma sanção ao município", avaliou. Para Sérgio Rossi, diretor-geral do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP), uma alternativa seria a publicação de um novo suplemento anual no Diário Oficial que apresente, além da situação das prefeituras, as contas do Legislativo paulista como um todo. "Talvez nessa próxima edição", observou.

Roberto Almeida - Estadão

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